Descoberta
partícula que explicaria origem do universo
Cientistas
anunciaram a descoberta de uma nova partícula que pode ser a peça que faltava
para fechar o Modelo Padrão, o quebra-cabeça de equações elementares da física
que descreve a composição e o funcionamento de toda a matéria visível do
universo. Há fortes indícios de que ela seja o bóson de Higgs, a partícula
elementar que dá massa a todas as outras - a chamada "partícula de Deus"
-, cuja existência é prevista teoricamente há quase 50 anos, mas nunca foi
provada experimentalmente.
"Temos
uma descoberta", anunciou Rolf Heuer, diretor-geral do Centro Europeu de
Pesquisa Nuclear (Cern), em Genebra, ao fim de um seminário no qual foram apresentados
os resultados mais recentes sobre a busca pelo bóson com o Grande Colisor de
Hádrons (LHC), um gigantesco acelerador de partículas construído
especificamente para isso sob a fronteira da Suíça e da França.
Bóson de
Higgs é uma partícula que dá massa a todas
as outras, por isso chamada "partícula de Deus"
Fazendo
uma analogia com uma investigação criminal, é como se os cientistas tivessem
encontrado um suspeito que é compatível com um retrato falado. Mas falta um
teste de DNA para ter certeza de que é a pessoa certa - e não um irmão ou outra
pessoa parecida. "Estamos apenas no começo. Peço às pessoas, em especial aos
físicos teóricos, que sejam pacientes", disse a pesquisadora Fabiola
Gianotti, arrancando risos do auditório. Entre os eméritos da plateia, estava o
físico teórico que deu nome à partícula, Peter Higgs.
Fabiola
apresentou os resultados do experimento Atlas, um dos dois gigantescos
detectores usados para estudar as partículas geradas nas colisões do LHC.
"São resultados muito preliminares, mas muito sólidos. Caso contrário, não
os apresentaríamos", disse Joe Incandela, porta-voz do outro experimento,
chamado CMS. "Encontramos algo muito profundo, diferente de qualquer outra
partícula."
A
apresentação dos resultados foi marcada por momentos de emoção. Houve várias
explosões de aplausos, especialmente quando Incandela e Fabiola anunciaram que
os dados do Atlas e do CMS haviam atingido a marca de 5 sigmas, uma espécie de
"nota de corte" que garante a confiabilidade estatística. Significa
que há apenas 1 chance em 1 milhão, aproximadamente, que o resultado seja uma
anomalia sem valor científico. "É a confirmação definitiva de que temos
uma coisa nova", explica o físico Pedro Mercadante, professor da
Universidade Federal do ABC e membro do Centro de Pesquisa e Análise de São
Paulo (SPRace), que colabora com o CMS.
O suposto
bóson não foi observado diretamente. Isso porque ele decai (transforma-se em
outras partículas) quase que instantaneamente ao ser criado. O que os
instrumentos do LHC detectam são essas partículas de decaimento, que dão pistas
importantes sobre a identidade da partícula "mãe" - como se fossem
sombras ou pegadas do bóson. A soma dessas pistas, tanto no Atlas quanto no
CMS, indica a existência de uma nova partícula, nunca antes detectada, com
massa de aproximadamente 125 gigaelétrons-volts (GeV) - compatível com o que
prevê o Modelo Padrão para o bóson de Higgs.
"Não
é um resultado definitivo, mas as chances são muito grandes", comemorou
Sérgio Lietti, pesquisador do Núcleo de Computação Científica da Universidade
Estadual Paulista (Unesp) e membro do SPRace e do CMS Center. "É um
resultado espetacular. Valeu o investimento", disse, referindo-se aos US$
8 bilhões gastos no LHC.
O bóson
de Higgs não se revela facilmente. Dentre as 500 trilhões de colisões geradas
nos três anos de operação do acelerador, só algumas dezenas produziram a
famigerada partícula.